Estudo de Caso: A Vida Durante uma Pandemia — Cuidados em Instituições para DFT em Meio à COVID-19
Nos Estados Unidos, as instituições de longa permanência tornaram-se focos de disseminação da COVID-19, interrompendo significativamente suas rotinas habituais. Para pessoas com DFT (Demência Frontotemporal) que vivem nessas instituições, as medidas tomadas para controlar o vírus podem ser profundamente confusas, isoladoras e angustiantes, principalmente porque as circunstâncias em torno da pandemia mudam quase diariamente. A equipe das instituições também precisa lidar com mudanças significativas na forma como prestam cuidados, e os familiares que não podem mais visitar seus entes queridos pessoalmente também enfrentam aumento da ansiedade e até mesmo sentimentos de culpa. Esta edição aborda o impacto do surto de coronavírus nas famílias afetadas pela DFT e na equipe das instituições. Ela oferece estratégias para otimizar o cuidado de pessoas diagnosticadas diante da nova realidade causada pela pandemia.
O Caso Júlio S.
Julius S., de 45 anos, foi diagnosticado com DFT há oito anos. Sua condição se manifestava de diversas maneiras, principalmente por sua necessidade compulsiva de colecionar tampas de garrafa e garrafas vazias. Ele caminhava pelo bairro durante horas a fio e ficava agitado quando interrompido. Um homem saudável na casa dos 40 anos, era difícil confortá-lo quando estava angustiado. Sua esposa, Phyllis, percebeu que não conseguia garantir sua segurança nem lhe proporcionar os cuidados adequados em casa e procurou interná-lo em uma instituição de longa permanência. No entanto, ela logo descobriu que encontrar a instituição certa não era uma tarefa fácil. Ao longo de dois anos, Julius foi dispensado de várias instituições devido ao seu comportamento; Phyllis acreditava que a falta de compreensão sobre a DFT por parte da equipe contribuiu para as suas dispensas.
Após várias tentativas frustradas, Phyllis finalmente encontrou uma instituição equipada para cuidar de Julius. Ele está lá há três anos, período em que Phyllis construiu um relacionamento positivo com a equipe e trabalhou em conjunto com eles para entender os sintomas e comportamentos de Julius, além de buscar a melhor forma de gerenciar seus cuidados. Embora a instituição fique a três horas da casa de sua família, Phyllis o visita com frequência e, como um mimo, o leva a uma loja de conveniência local uma vez por mês para escolher um lanche — geralmente uma barra de chocolate ou uma caixa de cereal. Julius se sente confortável com alguns membros da equipe que conhecem seus gostos e desgostos e sabem como acalmá-lo quando ele fica chateado.
No final de fevereiro de 2020, a instalação começou a tomar medidas, com base em recomendações clínicas e governamentais, para conter a propagação do COVID-19. Os primeiros relatos da mídia sugeriram que asilos poderiam emergir como focos de vírus, e Phyllis considerou levar Julius para casa com ela para mantê-lo a salvo da doença. Mas ela finalmente decidiu que seria melhor para ele permanecer na instalação. Ela temia que tirar Julius da instalação pudesse comprometer os relacionamentos que ela construiu com sua equipe de atendimento, ou que ele fosse colocado em uma lista de espera de anos antes de poder voltar. Por saber como era difícil encontrar uma clínica para cuidar dele, Phyllis decidiu que trazer Julius para casa não valia o risco de perder sua colocação atual. Além disso, os mandatos e fechamentos de saúde pública implementados para combater o vírus criaram maior responsabilidade para Phyllis em casa, já que seu filho em idade escolar agora exigia supervisão diária e educação em casa. Além disso, tornar-se uma cuidadora de FTD em tempo integral a deixaria ainda mais sobrecarregada.
As instalações tomam precauções rigorosas
À medida que o número de casos locais de COVID-19 aumentava nacional e localmente, a instalação começou a tomar medidas agressivas para controlar o vírus. No início de março, a instalação foi fechada, interrompendo todas as visitas pessoais de familiares - excluindo visitas familiares únicas no final da vida - e fazendo a transição para comunicações digitais. Desde então, Phyllis agendou videochamadas semanais com Julius usando o FaceTime e, em vez de suas viagens mensais de compras, envia a ele um pacote de cuidados com seus lanches favoritos e cartas de seus filhos. Devido ao seu relacionamento próximo com a equipe da instalação, ela pode ligar e verificar Julius a qualquer momento, e confia que eles ligarão para ela com atualizações ou preocupações, se necessário.
A instalação também implementou uma série de protocolos de controle de infecção. Embora as medidas tenham como objetivo garantir a segurança e impedir a propagação do vírus, muitos residentes – principalmente aqueles com FTD e outras demências – têm lutado para se ajustar ao novo normal. Devido a sintomas cognitivos e comportamentais, Julius é desatento à higiene pessoal e torna-se resistente à lavagem das mãos, fazendo com que a equipe considere métodos alternativos para manter a higiene de forma eficaz. Depois de uma conversa por telefone com Phyllis, a instalação designou dois funcionários que Julius gosta de ajudar na rotina diária de higiene: Eles criaram cartões com fotos descrevendo etapas fáceis de seguir sobre como lavar as mãos e, caso Julius se recuse, estabeleceram um plano de backup (especificamente, o uso de lenços antibacterianos ou desinfetante para as mãos). Eles também agendaram ligações regulares do FaceTime com Phyllis para ajudar a difundir uma situação em que Julius se tornou resistente a cuidados.
Desde o início da pandemia, a instituição implementou uma abordagem de cuidados mais individualizada, em um esforço para reforçar as práticas de distanciamento social. Atividades que antes eram realizadas em grandes grupos, como pintura e caminhadas ao ar livre, foram limitadas a um máximo de cinco residentes por vez, com apenas um membro da equipe presente. O distanciamento social é difícil para Julius devido aos seus sintomas — aproximar-se ou tocar estranhos de forma inadequada é um sintoma comportamental comum da DFT (Demência Frontotemporal) — e ele não consegue entender por que esses comportamentos são mais inaceitáveis agora do que nunca, devido ao risco representado pela COVID-19.
Mudanças Causam Ansiedade e Depressão
A rapidez e a intensidade das recentes mudanças na rotina da instituição deixaram Julius inquieto. Poucas semanas após o início do isolamento, o residente com quem Julius costumava sentar-se durante as atividades diárias apresentou sintomas de COVID e foi levado ao hospital para tratamento contínuo. A ausência do amigo deixou Julius confuso; ele ficava rondando a porta do quarto do amigo em estado de pânico. Além disso, a diminuição das atividades em grupo, principalmente o cancelamento da sessão de cinema semanal da instituição, levou a um aumento da sua agitação, problema que a equipe tentava resolver permitindo que ele separasse garrafas e latas em uma área designada da instituição.
Apesar dos esforços para mantê-lo engajado e confortável em meio às rápidas mudanças, Julius apresenta comportamentos mais depressivos, como falta de apetite e perda de interesse em atividades que antes lhe davam prazer. Sua equipe de cuidados responde modificando as doses de seus medicamentos e identificando maneiras de redirecionar sua inquietação. Quando ele começa a se isolar das poucas atividades em grupo ainda disponíveis, a equipe permite que Julius os ajude com pequenas tarefas nas quais ele demonstra interesse, como garantir que as cadeiras na área comum estejam espaçadas a dois metros de distância. Para redirecionar seu ritmo, a equipe o acompanha diariamente para uma caminhada ao ar livre e o incentiva a ajudar a cuidar dos jardins de flores da instituição. Eles observam sinais visuais e físicos que indicam sua ansiedade — principalmente, ele fica perto dos membros da equipe, um sinal de que precisa conversar com Phyllis por FaceTime. A equipe também consulta uma lista que Phyllis colou há muito tempo na parte interna da porta do quarto de Julius, que inclui atividades preferidas quando ele está chateado, como tocar suas músicas favoritas nos celulares deles.
Além disso, a necessidade de os funcionários da instituição usarem equipamentos de proteção individual, incluindo máscaras faciais, luvas e aventais, aumentou a confusão para Julius e outras pessoas com demência que vivem na instituição. Essas medidas de proteção também impedem que os funcionários comuniquem emoções de forma não verbal; devido ao distanciamento social, eles também não conseguem oferecer toques e abraços reconfortantes. Essa perda de conexão exacerbou um ambiente já desafiador e se mostra especialmente difícil para Julius, que gosta de receber massagens nas costas quando está chateado. Em vez disso, os funcionários têm se esforçado para usar uma voz suave para ajudar a aliviar seu sofrimento e tentam comunicar sentimentos de empatia com o olhar.
Efeitos na equipe
Como a instalação enfrenta um aumento de casos positivos, a escassez de pessoal e o esgotamento tornam-se problemas. Todos os dias, todos os funcionários devem preencher um protocolo de triagem, que inclui uma verificação de temperatura, antes de entrar no prédio. Funcionários cuja temperatura ultrapasse 100,4° são enviados para casa para serem monitorados nas próximas 48 horas; se um membro da equipe testar positivo para COVID, ele será direcionado para a auto-quarentena por pelo menos duas semanas. A escassez de pessoal também é motivada pelo aumento da responsabilidade em casa, já que muitos funcionários estão fazendo malabarismos com as necessidades e horários de suas próprias famílias. Embora muitos funcionários sejam solicitados a fazer horas extras para cobrir a escassez, a instalação também é forçada a rotacionar funcionários de outros locais para cobrir turnos cruciais - uma etapa necessária que, no entanto, aumenta o risco de introduzir o COVID na instalação. Para combater os sentimentos de desamparo entre os funcionários, a instalação fez parceria com uma organização externa que oferece sessões de terapia e atenção plena para prestadores de cuidados que enfrentam desafios de saúde mental durante a pandemia.
Apesar de seu forte relacionamento com a equipe, Phyllis logo se vê incapaz de entrar em contato com as enfermeiras que sempre lhe forneceram atualizações sobre os cuidados de Julius. E à medida que a pandemia piora, a equipe fica cada vez mais incapaz de reservar um tempo para ligar para ela, e fica difícil obter atualizações sobre a situação dos casos de COVID nas instalações. Sua ansiedade cresce, junto com o sentimento de culpa por querer entrar em contato com uma equipe já sobrecarregada. Esses sentimentos muitas vezes superam Phyllis, deixando-a constantemente preocupada com os cuidados e o estado de espírito de Julius.
Com tantas mudanças drásticas em tão pouco tempo, Phyllis se concentra no que ainda pode controlar. Por exemplo, ela atualiza as diretivas antecipadas de Julius para incluir informações sobre o uso do ventilador caso ele pegue COVID. Este passo pequeno, mas importante, alivia parcialmente a ansiedade que Phyllis sente por não poder ver o marido pessoalmente.
A ausência de alguns funcionários também aumenta a angústia de Julius. Uma noite, depois que o funcionário que normalmente dá banho em Julius foi mandado para casa devido a uma febre alta, uma funcionária tentou intervir. Julius ficou chateado e resistiu ao banho. Felizmente, uma enfermeira de plantão - com quem Phyllis havia compartilhado recursos AFTD no passado - conseguiu ajudar a acalmar Julius. A enfermeira concordou em permanecer “de plantão” caso uma situação semelhante surja no futuro e sugeriu que a equipe não familiarizada com o caso de Julius consulte a lista afixada no interior de sua porta com seus gostos e desgostos, bem como os cuidados AFTD brochuras contidas em uma pasta de bolso, presa do lado de fora de sua porta.
Com a pandemia ainda em curso, Phyllis começa a questionar sua decisão de deixar Julius na instituição. Embora confie que ele esteja recebendo os melhores cuidados possíveis, ela se pergunta se ele está com medo por não conseguir entender a situação. Para aliviar suas preocupações, ela pergunta à equipe se podem organizar uma "visita pela janela" com Julius, na qual eles podem se ver através de uma janela com vista para o pátio externo enquanto conversam ao telefone. Durante a visita, Julius ficou confuso e não conseguiu entender por que podia ver sua esposa pela janela, mas não podia estar fisicamente no mesmo quarto que ela. Ele ficou chateado e a equipe teve que intervir rapidamente e redirecioná-lo. Phyllis interrompeu as visitas imediatamente e, em vez disso, aumentou as chamadas de vídeo pelo FaceTime de uma para duas vezes por semana.
Ao longo da pandemia, Phyllis tem usado cada vez mais o grupo fechado do AFTD no Facebook para apoio de colegas: ouvir outras pessoas que entendem a jornada do FTD ajuda a acalmar sua ansiedade. No geral, ela se sente confortada com a ideia de que, embora haja muitas coisas que ela não pode controlar sobre a situação atual e em rápida evolução, ela ainda pode estar em contato frequente com Julius e continua confiante na capacidade da instalação de cuidar dele durante a pandemia.
Questões para Discussão:
1. O que a equipe faz para manter o cuidado centrado na pessoa em meio às medidas de controle de infecção implementadas após a pandemia de COVID-19?
A equipe da instalação trabalha com Phyllis para agendar chamadas regulares do FaceTime com Julius. Eles tentam compensar a perda de contato físico com Julius usando vozes suaves e contato visual empático. Os funcionários que não estão familiarizados com Julius e FTD são encorajados a consultar os materiais AFTD afixados do lado de fora de sua porta e a lista de seus gostos e desgostos afixada no interior.
2. Como a equipe reage à crescente ansiedade e depressão de Julius devido à rápida mudança da situação?
A equipe de atendimento de Julius modifica suas dosagens de medicamentos e identifica maneiras de canalizar seus sentimentos de desconforto. Eles permitem que Julius os ajude em pequenas tarefas pelas quais ele demonstra interesse, como garantir que as cadeiras da área comum estejam espaçadas a um metro e meio. Para redirecionar alguns de seus comportamentos, como andar dentro da instalação, a equipe o acompanha para fora para caminhar diariamente e o incentiva a ajudar a cuidar dos jardins floridos da instalação.
3. Como Phyllis lida com sua própria ansiedade crescente?
Com tantas mudanças drásticas em tão pouco tempo, Phyllis se concentra no que ainda pode controlar. Ela atualiza as diretivas antecipadas de Julius para incluir informações sobre o uso do ventilador no caso de ele pegar COVID. Ela também procurou apoio por meio do grupo fechado da AFTD no Facebook. Esses passos pequenos, mas importantes, acalmam parcialmente a ansiedade que Phyllis sente por não poder ver o marido pessoalmente.
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